Beijo sem rumo
Para mim, festa na rua mesmo só na segunda-feira quando saíamos (eu e alguns amigos) alegres, totalmente lésbicos e simpatizantes da cachaça para o Bloco das Piranhas ao som de marchinhas antigas. Sem falar no VVV (Vai, Vomita e Volta). Nunca fui, mas dizem que é beber, cair e levantar o tempo todo. Isso era bom, mas acreditem o rock com churrasco na varanda era melhor.
Lembro (se bem que queria mesmo esquecer) de quando a “onda baiana” começou a debruçar nos trios elétricos e palcos nas areias das praias capixabas. O povão segurava o tchan direitinho, mesmo caídos de bêbados após tirar a última gota da boquinha da garrafa. Naquele tempo beijar na boca era como se fosse um troféu! Quantas vezes ouvíamos, diga-se de passagem, o ano inteiro, os colegas na escola se vangloriando por terem encostado os lábios numa mineirinha em fevereiro? Uai! Éramos inocentes. O beijo, mesmo provocando aquele calor que começa no dedão do pé, era sem intenção, sem rumo, ou seja, não iria dar (no melhor sentido possível) em nada... Se é que vocês me entendem.
As moças eram puras. Quase santas. Intocáveis da cintura para baixo. No máximo deixavam segurar os faroisinhos... E só! Hoje a coisa é bem diferente. A juventude não sabe mais o que é marchinha, nem o que significa selinho. Querem logo chegar nos “finalmente”. Não estou generalizando é claro que há exceções, mas a grande maioria esqueceu a nudez poética que o frio na barriga provocava só com o poder do olhar. Onde foi parar a paquera? Lembrei! Virou nome de refrigerante. Tinha gente que via até passarinho verde mesmo sem lançar perfume algum, nos olhos é claro!
A vulgaridade chegou pra ficar. Isso, culturalmente falando.
Não há mais pureza, relacionamento nem antes muito menos depois. Só durante. “Ficar”, no meu tempo, era dar uns amassos atrás do Iate Clube de Marataízes, no estacionamento do Veleiros ou ao lado do palco das bandas de Iriri. Hoje, como dizem, “ficar” é ultrapassado. O negócio agora se chama “peguete”. E não foi só no nome que a coisa evoluiu. A pegação, atualizada diariamente como os blogs e orkuts da ‘second life’, pode causar sérios problemas de dor de barriga daqui nove meses. Tá aí um aviso aos navegantes.
A própria música que se ouve atualmente é prova incontestável do que venho dizendo. De créu em créu a galinha enche o papo. E antes ainda do tiro sair pela cloaca, quer dizer, culatra, as popozudas siliconadas gritam molhadas e semi-nuas ao pancadão que som dá nos ouvidos mais ou menos apurados que “agora elas estão solteiras e ninguém vai segurar”. É daquele jeito, podem acreditar!
O que falar da violência? Ao contrário do que disse Caetano Veloso, atrás do trio elétrico só não vai quem quer viver. Se antes eram uma zorra total as brigas na mão ou alá Patrick, na faca, hoje basta um dedo (no gatilho) e a confusão acaba na hora e para sempre. Não tem o que discutir. Pisão no pé e olhar mal encarado é sinônimo de atestado de óbito. Salvos aqueles que sobrevivem as cinzas e chegam intactos nos bailes de ressaca no final de semana.
A conclusão que tiro disso tudo é que, além da pipa do vovô não subir mais, o mundo mudou radicalmente de uns quinze anos pra cá. E não é só no quesito enredo. A ala principal também sofreu provocantes alterações bem na comissão de frente. Não há mais tapa-sexo. Sem dizer que está cada vez mais perigoso pisar fora de casa em época de folia. Por isso optei, este ano, por ficar no aconchego do lar. Sem farofa, mas ao som de um bom e velho rock and roll. Melhor do que sair por aí ao encontro do ridículo e desagradável som e empurrões das massas, e, consequentemente, encontrar molho de tomate espalhado na avenida.
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