“As maiores almas são tanto capazes dos maiores vícios
como das maiores virtudes”, René Descartes.
Pensemos na existência. A imaginação sem simbolização.
Como diz o texto lúcido da terapeuta Ana Suy Sesarino: “carnaval é tempo de
barulho externo, e mudez interna”. Concordo! Porém, há espaço para arquétipos.
Os heróis são representados na avenida e o simbolismo aparece somente neste
instante social. No aspecto peculiar da singularidade, não há mesmo
possibilidade de simbolização.
Mesmo assim, por meio da imagem e do imaginário
alegórico, ele, o Carnaval, existe. A criação do que está no imaginário, as alegorias,
fazem a imaginação partir para a realidade. “Há algo mais real do que uma
fantasia?”, questiona Ana em seu texto.
Desta vez percebi algo de diferente nos desfiles. Quando
dizem que no Brasil é carnaval o ano inteiro entendo que os críticos utilizam
desta mínima para expressar um ambiente nacional de baderna como uma total
ausência do superego por um curto período de tempo, onde os impulsos mais
animalescos do id sobrepõem-se no comportamento dos foliões. Tudo bem, a
alienação e “franga solta” vemos ainda na maioria dos blocos, desfiles e
seguidores de trios elétricos, mas também há aqueles que aproveitam a “farra”
para manifestarem suas inquietações coletivas ou individuais.
Mesmo para os mais irredutíveis e sem entusiasmo não
adianta ser pessimista. O Carnaval, além de ser uma festa cultural estável, é
cíclico. Ou seja, sempre vai existir. Isso, por si só, prova sua existência.
Então é melhor seguir o conselho do psicanalista e escritor Sérgio Telles e se
perguntar “mudaria o carnaval ou mudo eu?”. A resposta... Tão óbvia e ululante
quanto Nelson Rodrigues.
O cuidado com esse “Big Bang” da imaginação é que após o
turbilhão de impulsos reprimidos durante todo ano pode ocasionar um sentimento
de culpa, principalmente durante os meses posteriores à folia. Quarta-feira de Cinzas e a quaresma, para
quem acredita que “saiu da linha”, são períodos de sacrifício e penitência,
exatamente quem abusa do álcool.
Insisto na existência da imaginação carnavalesca (cogito,
ergo sum). Por isso recorro ao pensamento cartesiano. O carnaval baiano existe,
pois, se ele rebola, logo existe. Se para o cantor Belchior “o compositor
baiano dizia que tudo era lindo, maravilhoso”, outro compositor soteropolitano,
Paulo Costa Lima, define o rebolado como condição do sujeito. “Significa
literalmente girar sobre si próprio. Re-bola, bola duas vezes: jogo de cintura,
se quiserem”.
Por isso concluo concordando com o compositor baiano. Ele
diz que “o sujeito é um movimento e o desejo do carnaval é o desejo de
aceleração desse movimento, uma aceleração que caminha contra a ordem das
coisas, que invoca uma espécie de mergulho na dissolução. Há, portanto, uma
espécie de revolta no carnaval, uma recusa a ficar quieto, instalado e
satisfeito, mas é uma revolta pela alegria”.
Enfim, tem que existir para se revoltar, rebolar,
fantasiar, pulsar, perdoar e ser perdoado.
*Adaptado do original “Imagine... Só!” publicado no livro
“Sem Mais Palavras”, lançado em 2012, pela Editora ES de Fato, em Cachoeiro de
Itapemirim-ES.